“Uma pessoa só deve ler quando a fonte dos seus pensamentos próprios seca, o que ocorre com bastante freqüência mesmo entre as melhores cabeças” (p. 42).
“Assim como a leitura, a mera experiência não pode substituir o pensamento. A pura empiria está para o pensamento como o ato de comer está para a digestão e a assimilação. Quando a experiência se vangloria de que somente ela, por meio de suas descobertas, fez progredir o saber humano, é como se a boca quisesse se gabar por sustentar sozinha a existência do corpo” (p. 49).
“... quem quer se instruir a respeito de um tema deve se resguardar de pegar logo os livros mais novos a respeito, na pressuposição de que as ciências estão em progresso contínuo e de que, na elaboração desse livro, foram usadas as obras anteriores [...] Assim, o curso da ciência muitas vezes é um retrocesso” (p. 59-61).
“Assim, em geral vale aqui, como em toda parte, a regra: o novo raramente é bom, porque o que é bom só é novo por pouco tempo” (p. 61).
“Um livro nunca pode ser mais do que a impressão dos pensamentos do autor. O valor desses pensamentos se encontra ou na matéria, portanto naquilo sobre o que ele pensou, ou na forma, isto é, na elaboração da matéria, portanto naquilo que ele pensou sobre aquela matéria [...]. Portanto, quando um livro é célebre, é preciso distinguir se isso se deve à matéria ou à forma. Pessoas comuns e superficiais podem nos oferecer, graças à matéria, livros muito importantes, uma vez que o tema só era acessível a elas. É o caso, por exemplo, das descrições de países distantes, de fenômenos naturais raros, de experimentos realizados por elas, de histórias das quais foram testemunhas ou cujas fontes tiveram tempo e dedicação para investigar e estudar” (p. 63-64).
“Em contrapartida, quando o importante é a forma, já que a matéria é acessível a todos, ou já conhecida, portanto quando apenas o que é pensado pode dar valor ao esforço de pensar sobre esse tema, só uma mente de destaque é capaz de nos oferecer algo digno de ser lido” (p. 64).
“mais sábio o ignorante em sua casa do que o sábio na casa alheia” (p. 66).
“Assim, logo que nosso pensamento encontrou palavras, ele já deixa de ser algo intimo, algo sério no nível mais profundo. Quando ele começa a existir para os outros, pára de viver em nós, da mesma maneira que o filho se separa da mãe quando passa a ter sua existência própria. Como diz o poeta:
Não me venham confundir com contradições!
Logo que falamos, começamos a errar.” (p. 67).
“Em geral, a cordialidade proveniente da sociedade é um elemento estranho na literatura, com freqüência um elemento danoso, porque exige que se chame o ruim de bom, contrariando diretamente tanto os objetivos da ciência quanto os da arte” (p. 72).
“Um autor deveria, pelo contrário, evitar acima de tudo o esforço de demonstrar mais talento do que de fato tem, porque isso desperto no leitor a desconfiança de que ele possui muito pouco, uma vez que só se finge ter algo que realmente não se tem. Justamente por isso é um elogio quando se chama um autor de ingênuo, porque significa que ele pode se mostrar como realmente é. Em geral, a ingenuidade atrai, enquanto a artificialidade causa repulsa” (p. 84).
“Seria proveitoso que os escritores alemães chegassem à conclusão de que, embora de fato se deva pensar como um grande espírito, sempre que possível deve-se falar a mesma linguagem das outras pessoas. Palavras ordinárias são usadas para dizer coisas extraordinárias; mas eles fazem o contrário” (p. 90).
“Querem dar a impressão, côo Fichte, Schelling e Hegel, de saber o que não sabem, de pensar o que não pensam, de dizer o que não dizem. Pois alguém que tem algo certo a dizer iria fazer esforço para falar de modo obscuro ou claro? Como diz Quintiliano: ‘Ordinariamente ocorre que as coisas ditas por um homem instruído são mais fáceis de entender e muito mais claras... E alguém será tanto mais obscuro quanto menos valer’” (p. 92).
Estilo subjetivo: “Consiste no fato de que basta ao escritor sabor o que ele quer e pretende dizer; o leitor que se arranje para acompanhá-lo. Sem se preocupar com isso, ele escreve como se recitasse um monólogo, quando deveria estabelecer um diálogo, e na verdade um diálogo no qual é preciso se expressar de modo ainda mais claro, já que não se ouvem as perguntas do interlocutor. Exatamente por esse motivo, o estilo não deve ser subjetivo, mas objetivo; e para tanto é necessário dispor as palavras de maneira que elas forcem o leitor, de imediato, a pensar exatamente o mesmo que o autor pensou” (p. 111).
“Quem escreve de maneira displicente confessa com isso, antes de tudo, que ele mesmo não atribui grande valor a seus pensamentos” (p. 112).
“Quando lemos, somos dispensados em grande parte do trabalho de pensar. É por isso que sentimos um alívio ao passarmos da ocupação com nossos próprios pensamentos para a leitura” (p. 127).
“Mas é este o caso de muitos eruditos: leram até ficarem burros. Pois a leitura contínua, retomada de imediato a cada momento livre, imobiliza o espírito mais do que o trabalho manual contínuo, já que é possível entregar-se a seus próprios pensamentos durante esse trabalho [...]. Pois, quanto mais se lê, menor a quantidade de marcas deixadas no espírito pelo que foi lido: ele se torna como um quadro com muitas coisas escritas sobre as outras. Com isso não se chaga à ruminação: mas é só por meio dela que nos apropriamos do que foi lido, assim como as refeições não nos alimentam quando comemos, e sim quando digerimos” (p. 128).
“Para ler o que é bom uma condição é não ler o que é ruim, pois a vida é curta, o tempo e a energia são limitados” (p. 133).
SCHOPENHAUER, Arthur. A arte de escrever. Porto Alegre: L&PM, 2007.
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